
Como começar? De uma maneira ou de outra, todos em alguma fase da nossa vida já colocámos esta questão perante alguma adversidade, seja ela doença, família, medo, dúvida. Confrontados com a turbulência que é a nossa vida, temos muitas vezes de parar e seguir, olhar em frente. A nossa vida mudou, por onde vamos (re)começar!? Temos de seguir, mas como??
Como tantas vezes ouvi, vamos focar-nos na solução e não no problema. Se é fácil, nem sempre, mas a vida vale a nossa resiliência. Temos duas formas de lidar com o facto de sermos doentes renais crónicos, aceitar e levar a vida com um sorriso quando nos é possível, ou deixar de viver em vida, olhando apenas para os aspetos negativos.
O meu nome é Elisabete Martins da Silva, sou orgulhosamente albicastrense, nascida e criada em Castelo Branco, tenho 39 anos, sou uma apaixonada pela vida e pela mudança e não gosto da sensação de estar parada. Tenho uma família maravilhosa que amo, uma sobrinha linda que veio alegrar a minha vida, e traz com ela uma data de “porquês”, um marido que me lembra todos os dias o porquê de me ter apaixonado por ele, mas mais à frente irão perceber melhor.
Fiz o liceu em Humanidades, vertente em Comunicação Social. Alguns anos depois entro para o curso superior de Tradução e Secretariado, na Escola Superior de Educação, curso que acabei por não concluir quando a minha saúde falhou e a determinação também.
Toda a minha formação é em Ótica, sou Técnica de Ótica, trabalhei durante 19 anos para uma multinacional bastante conhecida, e há cerca de 8 meses abri a minha própria ótica (Grupótico, em Castelo Branco).
Foi no ano de 2009, tinha 24 anos, quando um dia o cansaço, supostamente normal, muitas vezes desculpado com trabalho, poucas horas de sono e ansiedade, se torna exagerado. Acordei com dores no peito, ombro, sem conseguir respirar profundamente, o intervalo entre as palavras era cada vez maior e acabo por ir à urgência do Hospital Amato Lusitano (HAL), em Castelo Branco.
Após raio X, recebo o diagnóstico de um pneumotórax espontâneo. O raio X mostrava colapso no pulmão direito, enfisema bolhoso também na parte direita e acabo assim por ficar internada no serviço de pneumologia do HAL. Apesar de uma semana de internamento, não existiu uma evolução positiva e sou transferida para os CHUC, para o serviço de cirurgia torácica, onde sou submetida a cirurgia e retiram parte do pulmão direito.
Fiz cinesioterapia respiratória durante meses para reaprender a respirar e ganhar resistência. Foram dias complicados, nunca tinha ficado hospitalizada, senti-me muito perdida, mas sempre confiante que tinha sido um “percalço na minha vida” e tudo voltaria ao normal. Os anos seguintes tive uma vida “normal”.
Tinha tantos sonhos, sempre fui muito independente, adepta da minha liberdade, idealizava viajar mais, ser mãe, mais um assunto complexo. Sou uma pessoa “intensa” que tem pressa de viver, talvez por isso o que se segue me tenha forçado a ter mais calma e a ver a vida de uma outra maneira, a viver um dia de cada vez, a aproveitar as coisas simples (o bom que é beber um copo de água, num dia de calor!!!), perceber quem são os verdadeiros amigos, o verdadeiro amor, sem cobranças.
Esta doença não me trouxe apenas coisas más, trouxe muita coisa boa. Aprendi a ver a vida de outra forma, mas inacreditavelmente de forma intensa também. É por não saber o dia de amanhã, que tenho pressa de viver o hoje.
Passados 5 anos, tinha nessa altura 29 anos, numa consulta de rotina, faço uma ecografia abdominal e visualizam-se múltiplas massas renais bilateralmente e acabo por ser referenciada para Coimbra. Se não fosse esta consulta, não estaria neste momento a contar a história da minha vida. No meu íntimo eu sabia que algo não estava bem, sentia-me tão cansada e não percebia o que estava a acontecer.
Acordava de manhã com a sensação que não tinha dormido e emagreci muito. Em Coimbra, seguem-se uma data de exames, biopsias e, passados dias, estava ali, sentada no gabinete médico, onde a temida palavra cancro soou.
Deixei de ouvir, não conseguia reagir, falar, chorar, acho que entrei em choque, que se prolongou durante dias, quiçá meses. Nesta altura não sabia ainda que nesse momento tinha cerca de 3 meses de vida, por isso era preciso agir rápido e tomar decisões.
Tinha carcinoma de células renais, 9 tumores no rim direito e 19 tumores no rim esquerdo, e sim, eram todos malignos (neoplasia renal múltipla bilateral). Só havia uma coisa a fazer, ser operada para fazer nefrectomia bilateral total e retirar ambos os rins. Ouço pela primeira vez a palavra hemodiálise.
Fui intervencionada a 28 de maio de 2014 e inicio hemodiálise no dia seguinte, por cateter central. Como era possível, após cerca de três horas no bloco operatório, a minha vida ter mudado?? Adormeci de uma forma e, quando acordei, a minha realidade não era mais a mesma.
Fiz diálise durante cinco anos, dois deles em diálise peritoneal. O que dizer? Tinha de ser, era a única forma de sobreviver. Eram muitas as crises entre sessões de hemodiálise, anemias, transfusões de sangue, quebras de tensão, desmaios, internamentos… Seria necessário mais um artigo para falarmos destes 5 anos, como sabem.
Mas nem tudo foram coisas más. Conheci pessoas fantásticas, fiz amizades que guardo para a vida, agradeço a todos os profissionais de saúde que me acompanharam, deram força, mimaram e cuidaram de mim. Enfermeiros, auxiliares, médicos, um bem- -haja, como se diz pela Beira! É durante este período em que fazia hemodiálise no HAL, que a Dra. Joana, a quem agradeço desde já, verifica a presença de múltiplas “manchas” na pele, face e pescoço e pede a realização de uma biopsia.
Confiante de se tratar de uma doença genética rara, reunia os critérios para diagnóstico da síndrome de Birt Hogg Dubé: lesões cutâneas (confirmação histológica de tricodiscoma); pneumotórax espontâneo de difícil resolução; tumores de células renais bilaterais.
Passados meses iniciei o estudo e vem a ser confirmado que tinha esta mesma síndrome, tal como era sua suspeita. E mais um nome estranho, síndrome de Birt Hogg Dubé, é verdade! Doença genética raríssima da qual não escapei a nada, causado por mutações no gene FLCN. Pelo menos, existia um nome!!
Recuando um pouco no tempo, é meses antes de descobrir que a minha vida estava prestes a dar uma volta de 180º, no final de 2013, que conheço o Tiago, atualmente o meu marido. Se foi paixão à primeira vista? Não, nem à segunda. Brinco com a situação, dizendo que me venceu pelo cansaço, e ainda bem que o fez.
O Tiago é o ser humano mais incrível que conheço e que vou amar sempre. Inteligente, com um sentido de humor incrível, determinado, e que me conquistou até hoje. E sim, foi ele, este Homem especial, que em 2019, se propôs para dador de rim, sem eu estar à espera. Isto é altruísmo.
Tive um período muito mau, a diálise não estava a ser suficiente e a lista de espera para transplante com o meu tipo de sangue é de uma média de 7 anos. Acho importante falar neste assunto da doação em vida. Falo por mim, não foi fácil aceitar, aliás a primeira vez que tivemos cirurgia marcada, já no hospital dos CHUC, com análises feitas e tudo pronto, o medo (e outras circunstâncias) fez-me desistir.
Medo por ele e medo por nós. Somos um casal, não temos uma ligação de sangue, familiar, e a verdade é que existe a possibilidade de uma relação não ser para a vida toda. A 23 de janeiro, dia em que fazia 34 anos, o transplante acontece (o dia não foi programado).
O medo continuava lá, mas percebi que, independentemente do nosso futuro juntos, se fosse ele a precisar eu não iria hesitar, faria sempre sentido ajudar quem amo. E foi o que ele fez, um obrigada nunca irá ser suficiente, mas amar-te independentemente do sentimento que nos liga, tenho a certeza que será para sempre. Já passaram 4 anos e felizmente está tudo a correr bem.
Os meus pais e irmã não podiam ser dadores e foram sem dúvida as pessoas que mais sofreram comigo. Tenho a sorte de os ter e de nunca me faltarem. Quero deixar um breve agradecimento à minha família por todo o apoio e amor, aos pais do Tiago, por respeitarem a decisão do filho e serem pessoas bem resolvidas e fantásticas.
Aos meus verdadeiros amigos e a ti: viver e vencer, que entre lágrimas e sorrisos, a força e a resiliência sejam predominantes. Daqui a uns anos terei mais qualquer coisa para acrescentar, até lá vamos ser felizes?!
Cito alguns dos nomes de pessoas, profissionais, que admiro e a quem agradeço do fundo do coração: • Dr. Paulo Lima (médico ginecologista) • Hospital Amato Lusitano, Castelo Branco: Dr. Ernesto Rocha e Dra. Joana (que diagnosticou a síndrome de Birt Hogg Dubé) • Hospital Universitário de Coimbra (Serviço de Nefrologia e Transplantação Renal): Dr. Henrique Dinis, Prof. Arnaldo, Dra. Lídia, Dra. Maria e Dr. Luís • Hospital de Santa Maria (Serviço de Nefrologia): Dra. Cristina, Dra. Marta e Enf. Carlos • Enfermeiros • Auxiliares.
A TODOS os que citei e outros tantos que não referi o nome, o meu enorme BEM-HAJA!