
Vamos lá falar de mim e da minha família poliquística. Uma história iniciada há muitos anos (com conhecimento, pois não sabemos de qualquer outro familiar anterior). Começou na minha mãe… ou não… Sempre a ser seguida pelo seu médico de família, como doente gástrica e hepática.
Tudo bem, até tinha esses problemas, só que nunca pesquisou mais nada! Um dia, numa crise forte, fui com ela ao SAP. Tive sorte! Uma médica jovem, depois de falar com ela e a observar disse:
– O que a senhora tem de mais grave é um problema renal. Vá ao seu médico de família e peça-lhe para passar estes exames X, Y e Z. Assim o fez. Quando vieram os resultados, foi logo encaminhada com urgência para o Hospital Curry Cabral em estado muito avançado de doença poliquística e, passados dias, entrou em hemodiálise.
Isto passou-se no início dos anos 80. Como alguns sabem, as diálises nessa época eram difíceis. A minha mãe passava muito mal e por vários períodos tinha de ir e vir de maca! Fez várias fístulas, colocou imensos cateteres e outros acessos que ainda tornavam as diálises mais complicadas. Por estas e outras complicações entrou em lista de transplante.
Ao fim de uns anos, sinceramente não me lembro quantos, mas pareceram-me uma eternidade, foi transplantada no Curry Cabral. Correu bem, apesar do aparecimento de diabetes e outras complicações, mas esteve transplantada durante 7 anos! Houve rejeição e não quis voltar à sala e preferiu fazer diálise peritoneal. Mas depois de ano e meio de luta, o seu coração não aguentou e acabou por falecer em dezembro de 1996.
Quando foi diagnosticada à minha mãe IRC poliquistose, eu e a minha irmã fizemos exames e foi confirmado que também tínhamos a mesma doença. Enfim, bora lá seguir a vida! Uma vida de cuidados, mas mesmo assim a doença silenciosamente ia evoluindo… Uns anos mais tarde começou a mana em hemodiálise! Teve “sorte”, pois só fez 13 meses e foi chamada para transplante Foi transplantada no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa.
Na verdade, não foi um transplante de “tudo a correr bem”. Teve vários internamentos e ameaças de rejeição, mas aguentou-se durante 10 anos, até que houve mesmo rejeição e entrou em hemodiálise, onde continua há 8 anos, com alguns percalços, mas está “bem”! Está inscrita para segundo transplante! Em 2004 chegou a minha vez! Lá vou eu, pensando que com os exemplos de mãe e mana estava preparada! Nada!!!!! Nunca se está!
Os primeiros dias foram difíceis. A minha fístula não era famosa, muito complicadinha a rapariga… Mas ao fim de dois meses já estava adaptada e integrada no turno. Um turno com pessoas queridas, que me acompanharam durante quase 9 anos! Às 18 horas saía do trabalho e lá ia eu para o meu “part-time”! Foram anos cansativos, mas que passei, com o apoio de colegas, amigos e familiares!
Acho que a sorte que tive em ir parar às mãos de tão bons profissionais (obrigada a todos: queridos médicos e queridos enfermeiros e auxiliares), que me deram sempre tanto carinho e atenção, ajudou-me a deixar correr os anos sem aquela ansiedade do tal telefonema! E os meus colegas de turno também, pois éramos um grupo excecional! Tenho saudades vossas, meus companheiros e amigos de luta! Uns já partiram, outros foram transplantados e outros continuam na sua luta! Boa sorte amigos!
Tive vários percalços durante esses anos. Eu já dizia à minha querida médica, Dra. Ana Vila Lobos: – Não me mande fazer mais exames, porque aparece outra coisa! E era mesmo!!!! Além das “nossas coisas”, além das pneumonias, das idas ao bloco por causa da fístula, lá apareceu a tuberculose ganglionar, o lúpus eritematoso sistémico, etc. e tal! Era cada tiro cada melro! Mas lá me aguentei durante esses anos!
Foram anos de esforço, mas também de aprendizagem e conhecimento! Até que lá tocou o telefone, no dia 3 de janeiro de 2013. Como não estava ansiosa pela dita cuja, nem estava a perceber bem! Acho que fiquei sem fala, até a médica me perguntar: – Mas não ficou contente? – Ah, claro que sim! Mas o que faço agora??? Só eu! E lá fui então transplantada dia 4 de janeiro, no Hospital de Santa Maria. Correu tudo bem! Agradeço ao meu dador (cadáver) ser tão compatível comigo.
Têm sido anos muito bons, com o funcionamento renal excelente! Sou uma sortuda! Claro que as outras patologias cá andam de mão dada comigo, e acreditem que tenho um curriculum extenso! Mas com dias bons e outros menos, assim levo a vida e sou feliz! Tenho uma família que adoro, e com o nascimento da minha neta que amo, ainda ficou mais completa! Tenho amigos e irmãos de coração que me mimam e que também amo! Esta pandemia veio alterar o meu dia a dia, como acredito que alterou a de todos! Tive de deixar de ir à “minha” universidade sénior e o ao convívio de professores e colegas.
Deixei de fazer voluntariado, outro prazer que me enchia o coração e onde vim a encontrar outra “família” de coração. Tive de deixar de fazer as minhas viagens por cá e por outras paragens, que tanto gosto! Enfim, esperemos melhores dias para voltar à minha vida! Desculpem se abusei do vosso tempo, mas isto foi só um resumo! Se me dessem asas nunca mais parava! Tanta coisa para contar!
Um bem-haja a todos que se cruzaram na minha vida nestes 46 anos de IRC! Obrigada à minha família e amigos! Obrigada à vida por me ter dado uma nova oportunidade!