A minha insuficiência renal manifestou-se em março de 2002, através de uma subida exponencial da tensão arterial, que me provocou uma retinopatia de grau 4 no olho esquerdo. Fui internado nos Cuidados Intensivos de Doenças Infetocontagiosas no Hospital de Santa Maria, onde, após todo o tipo de exames para o despiste das mais variadas doenças, chegaram à conclusão que seria um problema renal, sendo transferido para o Serviço de Nefrologia. Após uma biopsia renal, a conclusão foi insuficiência renal por hipertensão maligna.
Comecei então a hemodiálise, primeiro no Hospital da Cruz Vermelha, e, depois de não me ter adaptado ao ambiente e sobretudo ao serviço prestado, passei para o Hospital do SAMS, fazendo nessa altura três tratamentos semanais com uma duração de quatro horas cada.
Em dezembro de 2002, após fazer análises e a equipa médica constatar que chegava aos tratamentos com creatininas a rondar os 2.0, fez-se a experiência de interromper uma sessão de diálise e verificar o que acontecia com a creatinina, ureia, etc. A boa notícia chegou: tinha recuperado a função renal. Ao fim de 9 meses de hemodiálise, o tormento parou. E assim ficou durante sete anos.
Durante este tempo fui sempre seguido no Hospital de Santa Maria. Até que, em 2009, e após todos os esforços para prolongar a função renal, tive que retornar à diálise. Desta vez fui aconselhado a fazer diálise peritoneal, pois é um tratamento mais orgânico e tem menor probabilidade de causar danos ao organismo, embora esta modalidade tenha um elevado risco de infeções, se não se tiverem todas as precauções. Tive uma grande dificuldade em colocar o cateter peritoneal no Hospital de Santa Maria (duas idas ao bloco sem sucesso) e fui encaminhado pela equipa médica para o Hospital de Évora para proceder à colocação do mesmo.
A partir daí tudo, correu bem durante 2 anos. Até que o peritoneu deixou de filtrar e tive de abandonar a diálise peritoneal, tendo que passar para a hemodiálise.
Nesta altura, e por aconselhamento de médicos de Santa Maria, foi-me indicado que existiria em Lisboa um centro de hemodiálise que teria outros esquemas de tratamento, nomeadamente a hemodiálise noturna e a hemodiálise domiciliária. Esta última modalidade foi a que me chamou mais a atenção, pois uma das coisas que mais me angustiava no facto de ter de voltar a fazer hemodiálise era precisamente o ambiente que tinha experienciado nas clínicas no ano de 2002.
Dirigi-me então ao Centro Fresenius do Lumiar, onde fui a uma entrevista com a equipa da Hemodiálise Domiciliária. Aqui foi-me explicado o que seria necessário para poder usufruir desta modalidade. Entre outras coisas, o ter alguém que me acompanhasse SEMPRE em todas as sessões e ambos termos um período de formação, para aprender a funcionar com a máquina, a puncionar e a resolver qualquer problema que pudesse surgir durante os tratamentos.
A pessoa que me acompanhou foi a minha esposa que, apesar de não ter nenhuma formação em saúde, e que quando assistiu ao meu primeiro puncionamento quase desmaiou, se revelou uma enfermeira de hemodiálise de grande nível, passando até a ser ela a puncionar-me em todas as sessões.
A partir do meio da formação, e após o Centro ter confiança em nós, tivemos de fazer umas adaptações em casa: em primeiro lugar, arranjar uma divisão onde se pudesse colocar uma máquina de osmose inversa (para fazer a filtragem da água), máquina de diálise e cadeira reclinável, igual à dos centros de diálise. Para além disso, proceder às instalações de água, esgoto e elétrica para ligar os equipamentos. Estes trabalhos foram todos executados e pagos pelo centro de diálise, com o apoio da Fresenius.
Chegou então o dia de passarmos à verdadeira hemodiálise domiciliária. Com a presença e acompanhamento da enfermeira responsável pelo serviço, fizemos então a primeira de muitas sessões “em casa”.
À parte os incidentes normais, com problemas no acesso ou as visitas mensais ao centro de diálise para as rotinas mensais (análises e consulta médica), tudo correu bem. Os consumíveis a serem entregues mensalmente, bem como as recolhas de lixo contaminado a serem efetuadas quando agendado.
Tínhamos um contacto direto com a assistência da Fresenius para qualquer incidente com as máquinas, e também um contacto direto com a linha de apoio do centro de diálise para qualquer problema que surgisse.
Quando algum problema no equipamento me impediu de fazer o tratamento, no dia seguinte ia à clínica e fazia lá o tratamento, bastando agendar com o serviço a hora a que me dava mais jeito.
As grandes vantagens deste serviço, entre muitas, são a liberdade de escolha da hora a que se faz o tratamento. Se tinha uma reunião, um jantar a que não podia faltar, etc., fazia a diálise quando chegava a casa. Muitas vezes fiz diálise a horas em que nenhum centro me atenderia. Embora essa não deva ser a regra, pois o tratamento deverá ser feito mais ou menos à mesma hora.
Outra das vantagens é que o tratamento é feito dia sim, dia não (sem fins de semana), o que faz com que estejamos sempre melhor dialisados.
Qualquer pessoa que esteja a considerar esta modalidade, deverá sempre refletir se tem condições para o fazer, pois a autodisciplina é a chave fundamental para o sucesso, bem como ter uma pessoa que acompanhe o doente em todas as fases dos tratamentos.
E assim foi a minha experiência com a hemodiálise em casa, até que no dia 6/4/2013, às 23h57m recebi o “telefonema” e, depois de mais um tratamento feito das 2h00 às 5h00 da manhã, aí fui para o Hospital da Universidade de Coimbra, para o tão esperado transplante, que dura até aos dias de hoje.